15.4.16

Sou contra este governo e contra o impeachment. Pode ser?


Criaram um nome pra isso nas redes sociais: o "isentão". Então tá, né?


Não sou, nem nunca fui, exatamente fã do Lula. Vejo uma porção de problemas no seu legado. Mas, ao mesmo tempo, percebo e valorizo conquistas importantes, que mudaram a vida de muita gente.

Mas este governo atual - impopular em todas as camadas da população, e não só com "as elites" - é indefensável. É indefensável pela corrupção sistemática, tanto para enriquecer bolsos particulares quanto para se manter no poder. Não começou com o PT, nem é exclusivo dele – longe disso. Mas não vimos esforço para mudar a prática; na verdade, a resposta a cada nova situação de crise foi negociar mais cargos, acomodar mais interesses. Foi assim depois do Mensalão, quando se abriu as portas para o PMDB se tornar de vez protagonista no governo. Foi assim após a traumática eleição de 2014.

E é indefensável pelas escolhas da gestão. Não sou especialista em nada que me credencie a afirmar que o Brasil deveria ter seguido o caminho A ou B. Mas o que dá pra dizer é que não foi nisso aí que o povo votou. Infelizmente, em Brasília quase todo mundo tem apenas duas motivações: atender interesses de quem os patrocina e evitar qualquer palavra ou ação que dificulte ganhar a próxima eleição. Pelo segundo ponto, fizeram um extreme makeover na situação real do país para empurrá-la com a barriga e prometeram o que sabiam que não fariam.

Elegeram-se por um pentelhésimo, graças ao voto útil de quem não queria Aécio de jeito nenhum e de quem ainda valorizava conquistas do mandato anterior – Dilma foi eleita graças a Lula e, quatro anos depois, não tinha nada próprio que a credenciasse a uma reeleição. No momento seguinte à vitória eleitoral, admitiram que as contas estavam quebradas, colocaram um cara da equipe do adversário para comandar a Economia e abriram ainda mais as pernas em nomeações – uma tremenda traição. Ah, sim: também anunciaram o slogan “Pátria Educadora”, que até hoje aparece por trás da presidente em seus pronunciamentos, como um escárnio.

Dilma e o PT estão agora em risco porque não tiveram projeto para governar, muito menos um que a população entendesse e apoiasse, dando cacife para enfrentar de maneira minimamente republicana as negociações necessárias para comandar o país; quiseram basear sua “governabilidade” em “acordos” com quem, está mais do que claro agora, não era nada confiável – e em nome de quê? O cenário pra frente, em caso de rejeição ao processo de impeachment, não é animador: para salvar a pele, o remédio segue sendo oferecer cargos e benesses em troca de votos, sem nenhum disfarce – o que neste momento acontece em negociações corpo a corpo com o baixo clero da Câmara, no que estão chamando de “varejinho”. E isso só pra construir uma minoria que não seja tão minoria assim.

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E aqui estamos. Lembremos que este processo de impeachment não tem relação formal com a Lava-Jato, que serviu pra criar um clima de “podemos derrubar esses caras, o povo vai até achar bom”. No papel, as justificativas são, principalmente, as “pedaladas fiscais”: o governo não repassava no tempo certo dinheiro para pagamento de, por exemplo, benefícios sociais aos bancos públicos, que assim tinham que arcar usando seus próprios recursos. O argumento da acusação é que, na prática, o governo pegou empréstimos com os bancos públicos, o que é proibido.

Vou repetir que não sou especialista em nada e não posso analisar tecnicamente se, na letra fria da lei, isso configura um crime de responsabilidade e é motivo para impeachment. Não há consenso nenhum sobre isso mesmo entre quem é da área do direito constitucional. Mas é besteira fingir que a decisão no Congresso será técnica, não sejamos bobos. Me sinto à vontade para falar simplesmente da minha visão do que seria justo, correto.

A defesa da presidente é que esta prática sempre aconteceu, pelo menos desde FHC, se repete em governos estaduais e municipais e nunca foi considerada empréstimo – o que é verdade. Mas o argumento se enfraquece pelo volume: com FHC andava na casa de R$1 bilhão, com Lula chegou a coisa de R$8 bilhões – e com Dilma foi a R$58 bilhões! No futebol, passa batido um zagueiro puxar camisa de atacante em escanteio e até desconfiamos do juiz que marcar algo; mas se o cara rasga ou arranca fora o uniforme do adversário, o pênalti tem que ser marcado.

E as pedaladas fazem parte do tal estelionato eleitoral. Foi ferramenta para esconder a real situação do orçamento, com um rombo que empurraram para só começar a ser resolvido depois de garantida a vitória eleitoral. Talvez devessem mesmo ser motivo para perda de mandato. Se formalmente não forem suficientes para um impeachment, deveriam ser para um recall. Mas da chapa!

Foi o estelionato eleitoral que também levou Michel Temer à vice-presidência (sem, aliás, que tivesse contribuído com mais do que meia dúzia de votos). Dilma não fez as pedaladas sorrateiramente, por iniciativa pessoal, à revelia. Foi prática de governo, do qual o PMDB foi sócio bastante importante enquanto lhe interessou. O que Temer, Cunha e companhia estão fazendo agora é golpe, puro e simples: viram oportunidade e traíram os companheiros de esquema de anos, com discurso cínico e de braços dados com o PSDB - que, ao longo de 2015, trabalhou para bloquear no Congresso medidas que sempre defendeu, apenas para inviabilizar o mandato de Dilma. Se preparam agora para assumir com as pesquisas indicando que teriam poucas chances se houvesse eleições hoje.

Se o processo tivesse formalmente algo a ver com a Lava-Jato, a situação seria mais ridícula ainda: o PMDB está atolado até o nariz. Incrível a cara-de-pau das alegações de que receberam “doações legais” das empreiteiras – como se elas investissem em campanhas eleitorais por razões meramente filosóficas. Ninguém nem discute que a porteira do impeachment foi aberta porque o PT não deu toda a ajuda que Eduardo Cunha queria em seus, ahn, empreendimentos. É ridículo que a solução seja colocar estes caras pra governar, como se não fossem largamente responsáveis por tudo o que se quer mudar.

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“Ah, o PT é o primeiro passo. Depois vamos atrás dos outros!”

Tomara que quem acredita nisso esteja certo. Mas até parece que, com maioria no Congresso comprovada na votação de domingo, Temer correria algum perigo de impeachment. O processo de cassação da chapa no TSE – agora presidido por Gilmar Mendes! – não terá nenhuma pressa para andar. O cenário mais que provável é que, após cantarem o hino nacional, os vencedores desta verdadeira eleição indireta convoquem todos a unirem-se pelo bem do Brasil e deixarem brigas pra trás, é hora da reconstrução – e que a ideia seja comprada por analistas pró-impeachment, movimentos líderes das manifestações verde-amarelas e por aí vai.  Os sinais definitivos e inquestionáveis do final feliz serão a alta na Bolsa, a queda do dólar.

Devem cair? Acho que devem. Todos! Novas eleições. Devolvam a bola pro povo e uma mudança de comando terá alguma legitimidade. Fora isso, tô fora.

Não que eu ache que daí sairão grandes escolhas, que nos levarão a um futuro brilhante. A real é que estamos em péssimas mãos. Enquanto a fauna for essa aí, estamos perdidos. Precisamos de mais “gente como a gente”, vinda do mundo real, se dispondo a enfrentar a selva e ocupar espaços na política com uma lógica bem diferente dessa galera. A base é essa. Não é fácil, mas é com a gente.


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