28.10.15

O que aconteceu desde que o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor?

Entre as diversas pautas bacanas que resolveram levantar no nosso Congresso nos últimos tempos, surgiu a ideia de "flexibilizar" o acesso da população às armas de fogo. Ou seja: voltar atrás no esforço feito desde 2003, quando entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, para tirar armas das mãos das pessoas. Pois eis que ontem a nova proposta foi aprovada na Comissão especial da Câmara que analisa a questão e ficou mais perto de entrar em vigor - ainda vai pro Senado e pode também ir ao plenário da Câmara antes de seguir pra presidente sancionar.

A linha de argumentação pela mudança é simples: "a lei atual não tira as armas ilegais das mãos dos bandidos e o cidadão de bem tem que ter o direito de se defender". Assim, o que estão aprovando facilita a posse e porte de arma, aumenta o limite de armas por pessoas,  reduz de 25 pra 21 anos a idade mínima para se comprar armas, diminui as penas para o comércio ilegal de armas, libera a publicidade de armas em veículos de comunicação. O projeto fala até em permitir que taxistas e caminhoneiros possam ter armas em seus veículos sem nem solicitar porte de arma (não sei se isso faz você se sentir mais seguro). Há quem diga que a força que a indústria de armas dá às campanhas dos legisladores que defendem isso faz diferença em suas posições, mas vamos acreditar na honestidade dos propósitos de nossos representantes, certo?

No documento do Mapa da Violência 2015, publicado em parceria por órgãos do Governo Federal, UNESCO e FLACSO (Faculdade Latino Americana de Estudos Sociais), há a defesa de que o Estatuto do Desarmamento salvou milhares de vidas, com argumentação a partir da evolução da taxa de mortalidade por armas de fogo: se o ritmo de crescimento seguisse igual ao que vinha antes, teria morrido muito mais gente. Quem defende que não é nada disso mostra que o percentual de mortes por armas de fogo vem aumentando de lá pra cá e diz que isso prova que o Estatuto não ajudou em nada e até atrapalhou. As fontes de dados dos dois lados são basicamente as mesmas - o que mostra que números são frios, mas quem os lê, não.

De qualquer forma, é interessante conhecer o estudo. Batendo o olho rapidamente nos números, a gente vê que:

- A taxa de mortes com armas de fogo em 1980 era de 7,3 por 100 mil habitantes. Em 2003, ano da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, chegou a 22,2, três vezes maior. De fato, a trajetória de crescimento forte foi interrompida - em 2012 estava em 21,9. Mas estes são números gerais, influenciados por uma porção de fatores e que escondem um monte de coisas dentro deles.

- O Brasil é enorme. No RJ e em SP, as taxas de morte por arma de fogo despencaram entre 2002 e 2012 (caiu 55% no RJ, 62% em SP). Em MG, aumentou 42% (mas em Belo Horizonte diminuiu...). No Norte e Nordeste, aumentaram pra cacete (95% no Norte, 71% no Nordeste). No total, a taxa caiu nas capitais, mas as taxas das capitais ainda é 43% maior do que a geral do país (em 2002, era 62% maior).

- No geral, a taxa cresceu 9 vezes mais entre os jovens (15-29 anos) do que no resto da população. A taxa entre quem tem 19 anos é quase 3 vezes maior do que entre quem tem 39.

- 94% dos assassinados com armas de fogo são homens.

- A chance de um branco morrer por arma de fogo é menos da metade da de um negro, e esta diferença está aumentando. Entre os brancos, a taxa de mortalidade por arma de fogo caiu de 2002 pra 2012 em 19%. Já entre quem é negro, subiu 14%.

(Filosoficamente, independente de qualquer número, sou contra qualquer um poder ter armas de fogo e a favor de qualquer coisa que dificulte o acesso a elas. Não sei por que deveríamos defender a liberdade de ter algo que é desenhado para matar e confiar na cabeça de cada indivíduo para decidir quando usar esse treco ou não. Simples assim.)


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