20.6.13

Um passo à frente e você não está mais no mesmo lugar: agora, como ir além dos 20 centavos?


"Deu certo": por causa do aumento nas passagens de ônibus, o povo foi às ruas protestar com força pela primeira vez em muitos anos e os governantes voltaram atrás. Prefeitos de diversas cidades, inclusive as duas maiores do país, já decidiram retornar aos preços anteriores. Foi uma demonstração de força do povo e tomara que ele tome gosto pela coisa.


Isto quer dizer que chegou-se a onde queria-se chegar com tudo isso? Não creio que seja o caso. É hora de colocar em prática, de forma consciente, o "não são só 20 centavos" de que muitos falaram. Só não acho que isso queira dizer perder o foco; quem pede tudo não está pedindo nada, pedir "o fim da corrupção" não tem nada de prático, falar só em "fora fulano ou beltrano" pressupõe que o negócio é só trocar X por Y... E há até que se tomar cuidado com o tipo de coisa que alguns tentam colocar no saco de protestos. Para a movimentação que estamos aprendendo a fazer seguir tendo resultados práticos, tem que saber o que se quer. Então: o que se quer?

Há muito contra o que se protestar e vai haver oportunidade pra muita coisa vir à tona. Mas fomos à rua agora motivados, antes de mais nada, pelo transporte público. Ótima causa, que afeta todo mundo, até quem só anda de carro. Pois baixar o preço da passagem em 20 centavos está longe, muito longe de resolver a questão. E é óbvio que é algo que, daqui a pouco, será revertido; o aumento vai vir, mais cedo ou mais tarde. Vejam:

Paes ressaltou que os reajustes na passagem estão previstos nos contratos com as empresas de ônibus. Segundo o prefeito, 45% dos custos da planilha são com a folha salarial de funcionários, como motoristas e cobradores. Além disso, justificou Paes, o preço do óleo diesel teve um aumento em torno de 22%. No cálculo dos reajustes são utilizados índices da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

— Os reajustes não são concedidos aleatoriamente. Depois de muito tempo, essa lógica é respeitada — justificou Paes, lembrando que as prefeituras de Rio e São Paulo deveriam aumentar o preço da passagem desde janeiro deste ano.

— O governo federal nos solicitou que fosse adiado este aumento — completou Paes, que não revelou por quanto tempo manterá este preço. 

Está claro que, na lógica em que funciona o sistema atual, o aumento vai voltar. O prefeito o adiou, mas a contragosto; não está mudando a forma como a questão é encarada e, ficando nisso, este recuo de R$0,20 será apenas um cala-boca temporário. Então, vamos lá: percebam que o que está sendo feito, de forma não-estruturada, é uma negociação entre povo e poder público. Conseguiu-se um primeiro avanço, apenas; é hora de ir em frente.

Eduardo Paes colocou na última campanha eleitoral como ponto positivo de sua administração a licitação que fez das linhas de ônibus da cidade. Só que foi algo que não só não melhorou nada em preços de passagens como não mudou trajetos os tornando mais racionais, não impediu que seguíssemos vendo coisas como motorista virando cobrador e precisando contar moeda enquanto engata a primeira marcha e, na verdade, manteve tudo nas mãos de quem já estava - ganharam um período de 20 anos, renováveis por mais 20, exatamente as mesmas empresas de sempre. Não parece ter sido por acaso; a companhia que opera os ônibus de Paris se interessou pelo processo, mas o abandonou no meio afirmando que, nas condições colocadas, era impossível fazer uma proposta séria. O Tribunal de Contas do Município contesta a licitação, por irregularidades múltiplas na documentação dos vencedores e indícios de formação de cartel.

E o negócio é que, se Eduardo Paes agora diz que os aumentos "são previstos em contrato", é baseado nesses contratos aí, feitos dessa maneira. Fica claro: o problema é o contrato! Se não mexer aí, nada vai se resolver de verdade.

Eis a que deve ser, pra mim, a primeira demanda: cancelamento da licitação feita em 2010 para as linhas de ônibus e abertura de um processo de reorganização do sistema de transporte público - não é só ônibus o problema! - do Rio de Janeiro, com transparência absoluta e canais definidos para participação da sociedade no processo. Se é nessa que entramos, que entremos para resolver pra valer o problema. A lógica toda tem que mudar e o povo tem que ser ouvido para isso.


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Mas o que as prefeituras estão falando agora é em tirar dinheiro de outras coisas para voltar aos preços anteriores. E aí, vejam vocês, fazem chantagem falando em saúde e educação. Peralá! Não é preciso nem entrar no assunto "obras para a Copa" ou mesmo na estrutura de preço das passagens pra perceber que tem algo errado: no último mandato aumentou-se enormemente o gasto em publicidade do governo do município, passando da centena de milhões de reais. Por que não mexer aí, por exemplo?

Aceitemos por um instante que no momento seja isso mesmo: enquanto não muda contrato, tem que realocar o orçamento pra não mexer no valor das passagens. Aí a questão é de definição de prioridades. E o Meu Rio tocou num belo ponto: orçamento participativo.

Se é tirar dinheiro daqui para colocar ali, esta é uma discussão interessante, da qual o povo tem que participar. Hoje, não é nada fácil enxergar em que está sendo investido o orçamento público, muito menos influir nisso. Na votação do orçamento 2013 do Rio, aprovaram que 30% do dinheiro (R$23,5 bilhões no ano!)  pode ser realocado do jeito que a Prefeitura bem entender.

O dinheiro é nosso e temos que saber e participar da decisão de como será gasto. Isso é o básico do básico! Eis uma boa segunda demanda nesta negociação, pensando de forma imediata: abertura de canal de participação da sociedade na decisão de como será a movimentação do orçamento para manter o preço da passagem de ônibus.

E, para algo permanente, o terceiro ponto: criação de mecanismos de transparência para o cidadão comum poder enxergar com facilidade (não adianta só botar online num link meio escondido trocentas páginas de documentos técnicos!) o uso do orçamento público e implementação real do orçamento participativo na cidade.


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A reação violenta da polícia fez muita diferença para turbinar o movimento. Muita gente que não se sensibilizou com a causa das passagens de ônibus foi pra rua para protestar pelo direito de protestar e contra a truculência de quem detém o monopólio do uso da força. Tá aí o segundo tema, outro que afeta enormemente a vida de todo mundo, em que poderia em seguida se concentrar a movimentação: uma enorme mudança na forma como funcionam nossas polícias.


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