23.6.13

Tentando formar minha opinião: com ajustes, a tal PEC 37 parece uma gambiarra, mas que melhora a situação atual


Estive na Presidente Vargas na última sexta-feira e senti um incômodo difícil de explicar. Ao mesmo tempo em que sei pelo que protestaria e que sei da importância do povo ir pra rua mostrar que quer que as coisas mudem, eu tinha dificuldades de compreender o que exatamente estava sendo pedido e que direção aquilo estava tomando com tanta gente tentando puxar pra um lado ou pra outro - e aí não entendia bem se eu realmente devia ou não estar dando força praquilo ali, naquele momento. Quando a porrada estancou com a polícia perto da Prefeitura e eu comecei a sofrer com o gás e a correria, isso ficou bem mais palpável: por que mesmo eu estava encarando aquilo? Se é pra correr o risco de apanhar, seria bom ao menos saber o objetivo.


No meio do tal incômodo que ainda nem consegui digerir bem para entender como me sinto (o que tem a ver com o caráter de terapia de grupo que o negócio ganhou, né?), me dei conta de que, se não quero ficar à parte do debate neste momento exato, era bom entender o que é a tal PEC 37, que virou o tema da parada para muita gente: "PEC da Impunidade", todo mundo contra, competição pelo cartaz mais criativo sobre o tema. Só que eu já tinha visto aqui e ali no meu Facebook gente debatendo o negócio e não parecia tão simples assim.

E não é mesmo. Vejam que a OAB, por exemplo, é a favor do projeto.

(Vocês sabem, né? "A PEC 37 é a que tira o poder do Ministério Público investigar crimes" - o resumo mais utilizado. Em princípio, quem tem a função de investigar é a polícia mesmo; porém, há o argumento de que é importante o MP também poder atuar desta forma por ter mais independência em relação aos governantes, o que faria muita diferença especialmente em casos de corrupção dentro da máquina estatal. Tem uma porção de outras questões envolvidas nisso, mas vamos em frente.)

Fui atrás então de mais informações sobre a parada - uma das fontes foi o debate entre gente contra e a favor do projeto neste programa que dá pra assistir online. Andei também perguntando a amigos que trabalham no Direito o que achavam e alguns em que confio bastante estavam cheios de dúvidas, também sem saber se são a favor ou contra o treco. Isso, unido ao discurso cheio de certezas do Jabor e outros do gênero contra o negócio, já fez eu saber que o caso provavelmente estaria longe de ser daqueles que justificam todo mundo se indignar automaticamente.

Bom: hoje, depois de alguma leitura provavelmente ainda insuficiente, minha impressão é de que foi bom adiarem a votação e que é bem possível, até provável, no final eu torcer para que o texto definitivo da PEC 37 seja aprovado. Mas já sabendo que, na verdade, estamos discutindo em cima de mais uma gambiarra, algo enraizado na cultura brasileira.

O relator do projeto, deputado Fábio Trad, está comandando um grupo de discussão sobre o texto, com participação de membros do MP e das polícias, para chegar a algo mais consensual. Caminha-se para uma proposta em que o Ministério Público terá sim poder de investigar, mas definindo-se os tipos de crimes - a ideia é que a atuação seja em crimes como os de colarinho branco ou de organizações criminosas - e como estas investigações se articularão com as da polícia. Hoje a coisa está solta, há superposição no trabalho e, ao poder dedicar-se a qualquer tipo de crime, o MP acaba sempre escolhendo o que dá repercussão na mídia, seja por motivações políticas, seja por vaidade pessoal. O negócio é que ainda não se chegou ao texto final e havia sido pedido um pouco mais de tempo para isso, mas a intenção do presidente da Câmara era votar a proposta de uma vez mesmo assim.

Ou seja: parece ter sido bom o adiamento e parece provável que o que acabe indo à votação (se deixarem, já que com o rótulo colado de "PEC da Impunidade" estão fazendo pressão para que isso não aconteça) melhore a situação em relação ao que temos hoje. Só que, novamente, estão simplificando ao máximo o que se fala do assunto e estimulando as pessoas a simplesmente repetirem slogans fáceis como papagaios, sem entenderem exatamente o que está acontecendo.


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Disse que a PEC 37, seja você contra ou a favor dela, é na verdade uma gambiarra porque a questão pede uma mudança bem mais profunda. O sistema que existe no Brasil hoje para investigar e punir crimes só existe aqui, e vocês sabem o que se diz do que só existe aqui: se não é jabuticaba, é besteira. A gente sempre viveu nesta realidade e não se dá conta, mas na verdade o inquérito policial e a própria figura do delegado de polícia são coisas que basicamente não existem fora do país e poderíamos botar no bolo até mesmo a discussão sobre o fim da Polícia Militar, a partir de sua unificação com a Polícia Civil. Estou lendo ainda sobre isso e é algo que pediria um texto bem mais longo e de alguém mais embasado do que eu, mas vocês devem ser capazes de encontrar por aí gente boa para discutir o assunto.

É mais uma das grandes reformas que têm que acontecer, mas são adiadas por aqui indefinidamente e sobre as quais não parece haver qualquer interesse de discutir de verdade.


4 comentários:

Ninho da Nação disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Ninho da Nação disse...

Fala André

Vc apertou a pause no Sobre Flamengo, então vamos atrás de você onde você estiver...hahaha

Andei lendo sobre isso desde que começaram os protestos e concordo que tudo a imprensa resolve dar um nome com a intenção de facilitar o entendimento do público o efeito é contrário: complica ainda mais pra quem não para uma tarde para se inteirar sobre o assunto. Assim como a PEC da impunidade, o bolsa-estupro, o bolsa-crack e assim vamos.

Li algumas coisas, e ainda não cheguei a uma posição definida.

- Acho que é hora de do MP cair na real e saber que não é o quarto poder. Blz

- Para isso, se a constituição não dá poderes ao MP para investigar, que se mude, então, a constituição.

- Mas está engraçado. Se não há previsão constitucional para que o MP investigue, por que a PEC 37 então? Uma emenda a constituição para prever uma proibição de algo que já não é permitido.

- Não há notícia de processo penal anulado pelo STF por que o MP realizou investigações.

- Não é estranho dar um monopólio exclusivo às polícias nesse momento onde se questiona suas ações? Quem investigaria os abusos da PM? A própria PM. Péssimo.

- "Ah, o MP escolhe o que investigar de acordo com seus interesses e exposição". OK, pode ser verdade, mas por que essa seria sua missão: defender os interesses coletivos. Não quero o MP priorizando a investigação de crimes de índole individual.

Então que se normatize o poder do de não investigar apenas casos midiáticos, e não retira-se.

- E se a investigação ficar a cargo apenas das policias, pergunto: quem manda nas policias? Não é o poder executivo? Não perderia assim a independência?

Em 98, o MP desmascarou a máfia do Pitta, prefeito de SP. Se dependesse da Polícia, teríamos chegado a esse nível de investigação?

Sou a favor da PEC que normatiza o MP nas ações com seu roll de investigações em conjunto com as polícias.

O MP erra? Partidariza? Sim, mas o remédio pode ser amargo demais par a sociedade: punir o MP tirando seu poder de investigação. Não vejo onde vamos ganhar.

Claro, sem ler o texto que irá a votação após o acordo.

Abraços

André Monnerat disse...

André, tá linkada no meu texto a matéria em que o relator do projeto fala do que está negociado em seu grupo de trabalho: o MP vai poder investigar, deve direcionar seu trabalho ao crime organizado e aos de colarinho branco, falta colocar no papel a forma como estas suas investigações se articulam com as da polícia. Em sendo assim, acho que melhora o que temos hoje e torço para que passe. É estranho que a imprensa não fale nada deste trabalho.

E reforço que isso é uma gambiarra para uma situação que demanda uma reforma ampla. Gente que trabalha na área já me descreveu que, de modo geral, "investigações do MP" são tocadas pela PM, à revelia da Polícia Judiciária, por exemplo. Tem muita, muita, muita coisa mesmo pra mexer.

André Monnerat disse...

E fato é que esse negócio é complicado pra cacete, envolve muita coisa que não está vindo à tona no noticiário. É um assunto nada simples.