29.9.23

Crônica de uma breve carreira de robô

Decidi contar uma coisa: há uns dias, eu virei um robô. Não durou muito, mas ganhei 110 reais por isso. Foi uma experiência curiosa.

A história começou com uma mensagem no Whatsapp de um contato desconhecido, se apresentando como “Antonia, Head de Recrutamento da agência Source joyoutravel Company, uma das agências de turismo”. E me ofereceu a chance de ganhar de 300 a 800 reais por dia trabalhando no meu tempo livre.

E resolvi dar corda. O que é que estão mesmo oferecendo quando aparecem com um treco desses? É dinheiro mesmo em troca de algum trabalho mecânico ou algum tipo de golpe?

Fui seguindo a conversa e a Antonia disse que ia me passar uma primeira “missão” que me valeria R$30. De início, responder a uma pesquisa com três perguntas sobre como escolho meus destinos turísticos. E, em seguida, passar a seguir um canal no YouTube com dicas de viagens. “Este canal nos ajudou muito em nosso projeto de turismo e nos apoiou no processo. Eu acho que não é estranho gostar e assinar o canal de turismo do YouTube”, ela disse.

Eu  não fui respondendo a tudo na mesma hora, porque estava no meu dia de trabalho. Ela dava uma insistida, “oi, você ainda está aí?”. Mas fiz o que ela pedia. E aí ela pediu meus dados pra fazer um Pix pra mim.

Lembro que li uma matéria, há muitos anos, em que o repórter dava corda para alguns e-mails que costumavam circular bastante na época. Eram histórias que todo mundo (quer dizer, todo mundo não, mas enfim) sacava de primeira que eram golpe e nem respondia, mas não se sabia como exatamente era o golpe. Tipo um cara de um país distante dizendo que tinha não sei quantos mil dólares numa conta no seu nome, ou alguém pedindo ajuda pra se livrar de um sequestro – coisas assim. O jornalista respondia e ia seguindo a conversa, fazendo o que o interlocutor dizia, pra ver onde ia dar. Invariavelmente, em algum momento do enredo a pessoa pedia uma transferência de um valor “pequeno”, pra poder receber de volta em seguida um valor bem maior. Era um texto interessante.

Então - às vezes faço umas coisas assim. Aquele golpe clássico do número desconhecido que aparece te mandando mensagem usando uma foto de alguém próximo, por exemplo: eu costumo responder e seguir conversa, pra ver como e quando vai chegar o pedido pra eu fazer um Pix que, claro, ele promete que me será devolvido pouco depois. 

Mas, neste caso da agência Source joyoutravel Company, estavam me oferecendo de fazer um Pix pra mim, não de eu fazer um pra eles. Não cliquei em link nenhum que não fosse direto pro YouTube, não compartilhei nenhum dado sensível meu e, óbvio, não fiz pagamento nenhum de valor nenhum – até porque nada disso me foi pedido, mesmo. E, de fato, me fizeram um Pix de R$30, bem rapidamente.

Ela me explicou que sua empresa era uma agência de marketing digital (ué, não era turismo?) e que tinham um grupo em que passavam 30 “missões” como essa ao longo do dia, cada uma rendendo R$10. Se eu completasse as 30, seria recompensado com 300 reais extras. Aí me passou um contato no Telegram de uma “recepcionista” que me guiaria ao grupo por onde  - distribuíam essas tarefas.

Lá fui eu. A “recepcionista” usava o nome de Carla Matos e, pela foto, era uma gata. Hmmm, será que a foto era dela mesmo? Quem sabe. Mas enfim: ela me pediu uns dados de cadastro bem simples (nada sensível) e me passou outra missão: seguir mais um canal no YouTube, que não tinha nada a ver com turismo. Segui e mandei um print. Ela me disse que eu já tinha ganho 10 reais e me passou o link pro grupo do Telegram em que eu deveria entrar. De novo: era meu dia de trabalho, eu não fazia tudo na mesma hora, dava intervalos bem longos entre as respostas. A “head de recrutamento” no Whatsapp ia me mandando mensagens por lá também, perguntando se eu já tava fazendo as missões. Um negócio bem curioso.

Mas enfim: fui pro tal grupo, cheio de gente. O administrador publicava uma missão a cada acho que 20 minutos – sempre seguir canais no YouTube, todos com milhões de seguidores (e alguns com chamadas comemorando suas marcas de milhões de seguidores...). Tinha dupla sertaneja, influencers variados e até um canal de uma emissora de TV aberta. O pedido era pra seguir, mandar o print por lá e também pra sua “recepcionista”. As pessoas iam mandando e, de vez em quando, o administrador mandava um print de Pix realizado pra alguém, que iam desde “parabéns, você ganhou 50 reais” até “parabéns, você fez uma retirada de 600 reais”. De vez em quando alguém novo entrava e mandava algo como “dá pra ganhar dinheiro mesmo aqui?”

Eu não mandei print nenhum lá porque, no duro, não era necessário pra ganhar o dinheiro. A relação “de negócios” mesmo era com “a recepcionista”, que explicou que eu receberia um Pix sempre que acumulasse 40 reais. Eu segui 4 canais em algumas horas (porque deixei passar um moooonte de missões que vinham sem parar pelo grupo) e... Eis que chegou mais um Pix, bem rapidamente. 

Acabou o dia e eu tinha ganho 70 reais – 30 com a missão inicial de cadastro lá no Whatsapp, 40 no Telegram. Avisaram que as atividades estavam se encerrando e recomeçariam pontualmente às 8h do dia seguinte – um sábado. Pelo visto, robôs não tinham fim de semana.

“Então é assim que é ser um robô?”, pensei. “Que loucura!” 

Contei a história no fim do dia pra minha mulher. E ela me contou que tinha recebido a mesmíssima mensagem no Whatsapp, no mesmo dia, mas tinha bloqueado logo. “Pô, dei mole!”.

Contei também pros meus irmãos. “Que parada!” Mas era óbvio pra mim que aquilo era milagroso demais. Comentei que alguma hora o esquema ia mudar; ou iam passar a pagar menos em algum momento, se o esquema fosse mesmo o de contratação de “robôs humanos”, ou alguma hora o golpe ia se revelar.

8h da manhã de sábado, começaram as mensagens. Estava curioso e dessa vez segui mais rápido os 4 canais necessários pra ganhar mais 40 reais. E não falhou: mais um Pix na minha conta, bem rápido.

Mas, se você prestou atenção no início do texto, sabe que eu ganhei 110 reais com minha carreira de robô. Pois então.

Eis que surgiu uma missão diferente no grupo. Aquelas até então eram “missões de assinatura”; aí veio uma “missão comercial”. Que nada mais era do que, bem... Depositar 100 reais pra eles, pra ganhar 130 de volta pouco tempo depois. Ora ora ora.

A explicação do porquê disso era meio vaga e passava por “ajudar na especulação monetária”. Também algo como “ajudar nossos investidores a bancar a operação”. Na verdade, o pedido não era apenas de 100 reais; vinha com uma tabelinha sugerindo diferentes valores, com diferentes “taxas de retorno”. Mas a sugestão era começar pelos 100 reais.

Alguém no grupo gritou: “isso é furada, galera!”. Foi excluído. Perguntaram o motivo, o administrador deu uma explicação supertorta de que aquilo fazia parte do processo e ele rapidamente voltaria ao grupo. Mas ninguém mais discutiu aquilo ali em público no grupo não. Outras missões de assinatura seguiram sendo publicadas, as pessoas seguiram mandando seus prints, o administrador seguiu de vez em quando mandando prints de pix realizados de valores diversos, alguns de centenas de reais. 

“É só não transferir nada, seguir assinando os canais e o dinheiro vai seguir pingando na minha conta, então?” Bem... É claro que não.

A minha “recepcionista” me perguntou se eu estava pronto pra fazer o Pix de 100 reais. Eu disse que não ia transferir nada. Cuidados básicos antigolpe: não sair clicando em qualquer link, não compartilhar dados sensíveis e, claro, não depositar dinheiro nenhum. E aí ela me explicou que, ok, eu não precisava fazer. Mas agora eu passaria a ganhar 1 real apenas por assinatura. E só receberia Pix quando acumulasse 100 reais. Falei “explicou” mas, no duro, foi com um texto bem truncado. Eu que resumi dessa forma pra ela, para confirmar que tinha entendido direito, e ela me respondeu que sim, completando com um “você é muito inteligente”.

Bem, aí estava. Ficou me parecendo que era uma espécie de operação combinada de contratação de robôs humanos com algum tipo de esquema de pirâmide, talvez. Se você não entrasse na pirâmide, se transformaria apenas em um robô mal pago, mesmo. 

Mas, acreditem!, no dia seguinte eu ainda dei um pouquinho mais de corda. Vamos ver onde isso vai parar – talvez ela ainda tentasse me converter a membro da pirâmide, ou me passasse missão de trazer outros colaboradores para a agência. Ainda estava curioso com a evolução do esquema. 

Dei mais umas curtidas em canais. A recepcionista me respondeu normalmente, dizendo meu “saldo acumulado”, como fazia antes, mas somando apenas 1 real por curtida em vez dos 10 anteriores.  Ainda pensei que, bom, se eu seguisse naquilo, clicando nuns canais quando lembrasse de olhar o Telegram, em umas semanas ia acabar pingando mais 100 reais na minha conta. 

Curti mais algum canal e ignorei quando vi que surgiu uma nova “missão comercial”, no mesmo formato da anterior. Talvez tenham tido outras antes, eu não acompanhava o ritmo frenético do grupo, óbvio. Daí a recepcionista mudou o comportamento: estranhamente, me disse que eu tinha ganho 5 reais por aquela curtida. Mais 5 na seguinte. Me avisou que eu tinha 15 reais de saldo, mas que devia sair daquele grupo para que ela me incluísse em outro dedicado só às “missões de assinatura”. Pediu pra eu avisar quando tivesse saído, para que ela me fizesse o Pix dos 15 reais acumulados e me colocasse no novo grupo. Eu fiz.

E foi aí que ela me avisou que eu tinha sido “demitido” (!) por “pular as missões do comerciante várias vezes contra as regras”. “Não há remuneração por demissão”. 

Eu respondi com um “Hahahahahahaha, muito bom!”. No que ela me respondeu com infinitas linhas de “kkkkkk”. O pedido pra eu sair do grupo, concluí, era pra evitar o desgaste de me expulsarem de lá, com todo mundo vendo, como tinha acontecido com aquele rebelde do dia anterior que tinha avisado a galera de que aquilo ali era furada.

Só mandei uma mensagem confirmando: “Daí não tem pix nenhum, nem vai me mandar link nenhum outro grupo. É isso?”.

“Carla” me confirmou: “Sim. Você é muito inteligente. Não entre mais em contato comigo”. Pelo visto, não era parte do esquema deles ficar pagando 1 real por canal seguido pros menos crédulos ou ambiciosos. Sigo achando o esquema todo bem curioso e gostaria de entender melhor a mecânica.

Mas assim acabou minha breve carreira de robô. Os 110 reais ajudaram a pagar o churrasquinho com amigos do fim de semana anterior. 

Ainda não decidi se atualizo meu perfil no Linkedin com essa experiência.


Nenhum comentário: