19.10.05

Só pra deixar registrado
(e o texto é longo, pode pular se isso não te interessa)


Domingo, eu votarei SIM.

Votarei "sim", primeiro, por uma questão filosófica: eu acho que ninguém deve ter armas. Não vejo por que um ser humano deve poder ter a possibilidade de decidir dar um tiro em outro, baseado simplesmente em seu próprio julgamento. Sou contra a pena de morte praticada pelo Estado, que dirá por indivíduos.

Na teoria, isso é bem simples e bonito. A função de quem defende o "não" é contrapôr a prática, a realidade cruel, pra dizer que não é bem assim. Mas simplesmente não me convenceram.


"É um direito que querem te tirar, e você não deve abrir mão dos seus direitos"
Esse é o argumento mais tosco. Quando escolhemos viver em sociedade, é isso o que acontece: limitamos direitos individuais para que todos possam viver melhor em conjunto. As pessoas já tiveram direito a ter escravos - imagino que na época da abolição, devem ter reclamado muito do direito cortado.

A discussão deve ser a seguinte: ter uma arma é um direito que as pessoas devem ter? Se você acha que sim, vote "não". Se você acha que não, vote "sim". Defender o "não" simplesmente por ser um direito, sem pensar em por que isso deve ser um direito, não faz o menor sentido.


"Vão tirar as armas do cidadão de bem, e não dos criminosos"
Uma coisa nada tem a ver com a outra. Quando você fala isso, quer dizer que o cidadão de bem está mais seguro contra os criminosos tendo sua própria arma, e eu não concordo com isso. Não preciso de estatísticas, só de bom senso, para acreditar que em geral quem tenta se defender de um assalto com arma de fogo tem uma possibilidade muito maior de causar uma tragédia do que de se livrar de um crime. Em geral, bandidos atiram quando se sentem ameaçados; pergunte a quem trabalha em pronto-socorro e eles lhe dirão que a grande parte dos tiros que pessoas levam em assaltos a carros são disparados quando a vítima vai soltar o cinto de segurança - porque o bandido pensa que ela vai pegar uma arma. Além do mais, quantos assaltos devem ser evitados por uma arma de fogo para compensar uma só vida que seja perdida? Eu não sei fazer essa conta.

A cidade está tomada por traficantes? Bem, como eu não sou policial e não me meto em brigas com o tráfico, uma bala deles só me acertará por acidente - e aí, eu ter ou não uma arma não vai fazer diferença pra evitar isso, o melhor seria andar de capacete e colete a prova de balas. E eu não vejo como ter um revólver no fundo do armário me ajudará a me defender de criminosos organizados que andam com fuzis e metralhadoras.

Da mesma maneira que não acho muito racional imaginar que a situação vai piorar caso o "sim" ganhe, também é bobo achar que isso vai resolver o problema da criminalidade. É claro que não vai! A idéia é diminuir o número de crimes passionais, mortes acidentais, coisas do gênero (fora a parte filosófica da coisa). O ministro lá disse isso e a campanha do "não" tirou a frase do contexto e lançou no seu programa de TV. Lamentável.


"Então deviam proibir automóveis, já que pessoas morrem atropeladas"
A diferença aí é bem simples. Se alguém usar direito um automóvel, ele só vai cumprir a função para a qual foi desenvolvido, a de transporte. Se alguém usar direito uma arma, ela só vai cumprir a função para a qual foi desenvolvida - que é atirar. Armas são pra isso.


"Cada um deve ser responsável por si mesmo. Quem usar a arma de maneira errada, que seja responsabilizado por isso"
Pois é, vamos responsabilizar a pessoa que fez mau uso da arma. Só que, nisso, alguém já morreu. E aí, responsabilizar quem matou traz a pessoa de volta? Preferível evitar a morte. Além do mais, pra mim não existem mesmo muitas situações em que haja algo como "bom uso" de uma arma.


"Isso vai estimular o comércio ilegal"
As mesmas pessoas que dizem isso falam que já é muito difícil comprar uma arma legalmente e são poucos os que o fazem. Oras, se é pouca gente comprando legalmente, é claro que os que passariam a comprar ilegalmente devido à proibição serão poucos também. É uma questão de lógica simples. Comércio ilegal já existe e se baseia não nas pessoas de bem, mas sim nos criminosos.


"A probição vai colocar as pessoas que querem ter armas na ilegalidade"
É claro que vai. A idéia de qualquer lei é justamente essa: colocar as pessoas que querem fazer o que está sendo proibido na ilegalidade. Não faz o menor sentido eu fazer uma lei pensando em facilitar a vida de quem pretende descumpri-la. Se eu acho que ter arma deve ser proibido, é claro que eu quero que quem resolva conseguir uma esteja na ilegalidade e tenha problemas para fazê-lo.


"Armas não matam, pessoas sim"
Isso é só uma frase de efeito, com pouco significado. Uma pessoa sem arma tem uma chance muitíssimo menor de matar do que outra armada, e é essa a discussão. Um marido agressivo e violento discutindo com a mulher em casa é um problema; um marido agressivo e violento discutindo com a mulher em casa com uma arma na mão é muitas vezes pior. E o caso é que armas não servem pra mais nada, além de atirar.

Acho que ninguém é contra acabarmos com as bombas atômicas, por exemplo. Mas, ora bolas, "bombas atômicas não matam, pessoas sim". E aí?


"Desarmar a população é a primeira coisa que regimes totalitários fazem"
Bom, nós já tivemos ditaduras aqui e nenhuma delas precisou proibir o comércio de armas pra se instalar. E, assim como devem existir países não democráticos onde as armas são proibidas, o mesmo acontece no Japão, na Inglaterra, na Austrália, na França - todos com democracias bastante sólidas.

A idéia então é que as pessoas estejam armadas para se defenderem de um possível golpe? Bem, então é melhor a gente começar a liberar armas mais pesadas do que as que são permitidas hoje. Não se combate exércitos nem se faz guerrilha com os revólveres que são permitidos atualmente; a discussão então tem que ser um tanto diferente. Aliás, o PSTU defende o "Não", assim como o serviço militar obrigatório, porque ambos servem melhor à causa da futura revolução socialista - pra vocês verem como sempre dá pra enxergar as coisas por um outro lado.


"Não deu certo nos países que fizeram isso"
Não é verdade. Há países em que os números estatísticos melhoram, não mudam muito ou pioram. Cada um tem a sua realidade e tem que ser visto separadamente, até porque existem n fatores fora o número de armas em mãos de civis que influenciam nesses números (que, aliás, sempre podem ser também analisados de n maneiras; já vi usarem o caso da Austrália tanto pra defender o "sim" quanto o "não").


"A proibição vai causar desemprego"
Na verdade, se são tão poucas as armas vendidas legalmente hoje em dia, isso não deve fazer essa diferença toda. Afinal de contas, pelo que dizem, a enorme maioria da produção brasileira vai para o exterior, e isso não está sendo proibido. Vocês já leram o estatuto? A proibição é para o comércio de armas e munição em todo o território nacional. Nada se fala da fabricação nem da exportação. E armas continuarão sendo vendidas para empresas de segurança, polícia, exército etc.

De qualquer forma, a quantidade de empregos gerada no Brasil não é significativa e está basicamente restrita ao Rio Grande do Sul. Até já existem planos para evitar essa possibilidade de demissões, com linhas de crédito especiais do BNDES abertas para que as indústrias de armas possam converter suas plantas e assim não terem que demitir trabalhadores (isso já foi negociado com o governo do RS).


"Os deputados vão poder continuar armados, esses safados tiram o nosso direito e mantêm os deles!"
Bem, se um dia aparecer um referendo para tirar esse direito deles, eu votarei sim. Enquanto isso, quanto menos gente com armas, pra mim, melhor. Como não tenho medo que os deputados usem suas armas para me assaltar (eles já têm outras maneiras mais eficientes e sutis), esse não me parece um motivo pra evitar que outros adqüiram seus revólveres e pistolas.


"É melhor votar não, porque tem alguma coisa por trás desse referendo e dessa proibição"
O quê exatamente? Se é assim, não seria mais fácil eles simplesmente terem votado e aprovado a proibição no Congresso? Por que exatamente essa necessidade de "legitimação pelo povo" faria essa diferença toda, se não fez na hora de aprovar a reeleição, privatizar empresas, quebrar monopólios estatais e um monte de outras questões que envolviam interesses gigantescos óbvios, nacionais e internacionais, econômicos e políticos?

"Ah, a Globo é a favor". Bem, a Veja é contra, e eu não confio nela nem um pouco a mais do que na Globo.

Ah, e olha só: quem realmente quiser ter uma arma vai continuar a poder, é só entrar prum clube de tiro. Acho bem esquisito isso, aliás, mas é assim que vai funcionar. Na verdade, a lei atual já diz que eu não posso ter uma arma, já que pra eu comprar é necessário declarar "efetiva necessidade" - coisa que nem eu nem ninguém que eu conheça tem, em minha opinião. Mas isso é só opinião mesmo, e lamentavelmente a lei não dá nenhuma diretriz pra gente definir quem afinal precisa ou não de arma (imagino que tenha na regulação da lei - isso eu não li).

O que eu percebo é que tem muita gente que vai votar "não" por raiva do governo e dos políticos. A campanha do "não" foi bem nisso, ao associar o "sim" a um interesse "oficial". As pessoas sentem como se, mais uma vez, "eles" estejam querendo nos passar a perna. Enquanto a campanha do "não" se tornou algo sem rosto, a do "sim" é identificada com o governo, que ainda por cima se utiliza de "artistas que só querem posar de bonzinhos apoiando uma causa simpática". Oras, vejam quem está na frente do "não": são políticos também, de tudo que é partido, da oposição e da base do governo, assim como na do "sim". Aliás, o Enéas tá na do "não" (é só uma curiosidade, não é pra basear voto nisso, seja a favor ou contra).

No meio disso, há também uma insatisfação com o referendo em si que também está levando gente a votar "não" ou nulo. Uma amiga minha mesmo reclamou que "resolveram fazer esse treco só pra distrair do mensalão, da crise política" - como se a data já não estivesse marcada muito antes disso. Bem, eu mesmo tendo a achar que esse referendo não é uma boa; seja pela maneira como foi apresentado, pela grande quantidade de dinheiro gasto ou por tratar de uma só questão, que muito provavelmente não deveria ser a primeira a ser posta em discussão. Mas o fato é que ele vai acontecer, quer queiramos ou não, e o resultado das urnas vai valer no final. Então, só nos resta formarmos nossa opinião e votarmos.

O que eu acho mesmo é que isso já causou um enorme desserviço só de expôr o povo às duas lamentáveis campanhas, a do "sim" e a do "não". Ambas são ridículas, fazem pouco da inteligência das pessoas, abusam de argumentos sentimentalóides e apelativos e procuram manipular as pessoas de maneiras as mais toscas possíveis. Talvez estimuladas por esse show de mediocridade marqueteira, as pessoas também acabaram levando a discussão por lados bastante estranhos, como falei num post aí embaixo. Às vezes, até pro pessoal. Eu hein.

Pra terminar, o que eu quero dizer é: existe uma enorme massa de pessoas ignorantes que vai votar nesse referendo sem saber exatamente no quê está sendo chamado a opinar. Muito provavelmente até, o que decidirá o resultado poderá ser a quantidade de pessoas que vai votar errado pra um lado ou pra outro. Bem, se você está lendo isso aqui, você não precisa se igualar a essas pessoas. Ao invés de só ouvir os outros falando, ao menos leia o estatuto do desarmamento e entenda exatamente no que você estará votando (é só um artigo dele, aliás). Não é tão grande assim, não vai lhe tomar muito tempo.

Um comentário:

Anônimo disse...

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